sábado, 15 de maio de 2010

VIVENDO EM UMA EX-COLONIA DE PORTUGAL...

“O QUINTO DOS INFERNOS”


CENA 01:

Preciso de cerca de 500 fotocópias. Estou na Cidade de Pemba, uma bela Capital nortista banhada pelo igualmente belo Oceano Índico.
Procuro a maior e mais “festejada” loja de serviços desta natureza na Cidade: Syncamore Services.
Bela loja, também. Espaçosa, ampla, jardins floridos, estacionamento. Vendem, além de serviços, computadores, suprimentos e material de escritório. Prestam serviços de Lan House e representam a Teledata, provedor Internet em Moçambique.
Vou ao Balcão vazio e, após esperar alguns minutos, uma mocinha sorridente me atende.
Primeiro problema: Pedi para que fizesse uma cópia de algumas folhas manuscritas para que eu verificasse a qualidade e depois, queria mais de 500 cópias, sendo 10 ou 15 de cada documento: “Não pode tirar cópia pra ver. Ou tira pra levar, ou não tira”.
Eu estava de bom humor, resolvi pagar os 2 Mtn por cada cópia dos manuscritos, antes do serviço. Gostei das cópias e encomendei o serviço e resolvi esperar.
Muita paciência. Cópia por cópia, a mocinha sai a todo instante para atender o celular, para atender o Chefe (Autoridade) etc.
Na metade do serviço: “Acabou o Toner, vai ter que esperar”.
Ainda de bom humor, pergunto o tempo da espera: “Não sei, vou mandar buscar”.
Pergunto se não fica toner de reserva (sobressalente) na loja: “Claro que não. Quando acaba, mandamos buscar”.
Tento explicar que é necessário ter um estoque de reserva, mas ela não entende e não entenderá nunca.
No “manual” português (de Portugal, por favor) onde ela aprendeu, deve dizer algo assim: “quando acabar o toner, providencie outro”.
O Chefe concorda com ela, o Sub-Chefe também. Todas as “autoridades” presentes concordam com ela.
Claro, então, que o errado sou eu. Vou embora, com metade do trabalho por fazer.
Volto por 4 dias seguidos e o toner ainda não chegou. A loja está com o departamento de fotocópias parado. Toner só em Maputo, a 2000 km.
Não há maneira de eles entenderem a curto prazo sobre estoque de reposição. Simplesmente, não há.
Eles aprenderam com os portugueses....


CENA 2:

Estou andando pelas ruas de Maputo e vejo bonitas bananas penduradas em uma espécie de barraca ambulante, com rodinhas e tudo. Lembro-me do Brasil.
Maputo realmente parece Salvador, minha Cidade, até falarmos com as pessoas.
Pergunto o preço das bananas: “30 contos a penca”.
Argumento que as bananas estão bonitas, mas quero apenas 2 para comer ali mesmo: “Não é possível, só há de levar a penca”.
Insisto dizendo que uma penca é demais para mim e pergunto o preço de 2 bananas: “Há de comprar a penca ou nada”.
Tento uma cartada final oferecendo os 30 contos (o preço da penca) por 2 bananas: “Só vendo a penca”.
Meu Deus, onde estou? No “quinto dos infernos”, provavelmente.
Ironicamente, pergunto ao meu “amigo vendedor de bananas” se ele aceitaria bananas de presente: “Claro que aceito presentes, preciso do apoio do Patrão”.
Compro uma penca, pago os 30 contos (30 Mtn), arranco 2 bananas e devolvo o resto pro assustado vendedor.
Ele jamais entenderá.
Ela foi educado pelos portugueses.

CENA 03:

Estou indo de Pemba para Nacarôa, uma viagem de 260 km.
Paro meu carro na entrada da Vila do Chiúre, no Restaurante do Camelopo, para tomar um refrigerante e comer chamussas.
À saída, um cidadão de gravata (roupa suja, camisa rasgada, sapato estragado, mas DE GRAVATA) me interpela, sem um sorriso, sem nada de amável na voz: “Bom dia, Senhor Engenheiro, vou a Nacarôa°.
Apesar de não o reconhecer, imagino que se trata de algum funcionário do Partido, por causa da gravata. Respondo amavelmente que desejo que ele tenha uma boa viagem e entro no meu carro.
Ele bate no vidro e, após eu abaixá-lo, diz: “Vou a Nacarôa” no que respondo novamente que desejo que ele tenha uma boa viagem e que Deus lhe acompanhe.
Ele não entende que, se quer carona (boléia, como dizem os portugueses) é necessário pedir e não ordenar. Ele não entende.
Explico, com simpatia, que também vou a Nacarôa e pergunto se deseja boléia: “Sim, senhor Engenheiro”.
Mas, porque não pede, porque apenas informa como se o carro fosse do Partido.
Todos os moçambicanos que cresceram um pouco na vida tentam imitar o nojento colono português que apenas ordenava, que batia, que escravizava.
Eles não entendem.
CENA 04:

Vou comprar um medicamento na EE Farmac (empresa estatal de farmácias) na Cidade de Nampula. Pergunto se tem o medicamento que desejo: “Sim”, responde a balconista olhando para o lado. Solicito que me entregue o medicamento, pois quero ver o laboratório, prazo de validade, coisas assim: “Não pode, só tiro das partileras (prateleiras, imagino) se pagar”.
Eles são assim.
O pior é que ninguém reclama. Nem o nativo, porque o balconista é uma espécie de “autoridade” ou “excelência”, nem o estrangeiro porque perdoa as “tradições” locais.
Torno-me um chato querendo educar este sofrido povo moçambicano.
Não vale a pena. Tem que começar tudo de novo ou esperar que as próximas gerações livrem-se dos costumes portugueses.


CENA 05:

Estou novamente me Pemba, faz calor e resolvo tomar uma coca-cola. Existem dezenas de geladeiras (aqui diz-se “geleiras”) às portas de lojas onde se encontra refrigerantes (refrescos) e sucos (sumos), às vezes até cervejas.
Peco uma coca cola: “há de esperar”
Não entendo porque devo esperar e digo que tenho pressa: “Só posso vender as 14 horas”.
Pasmem. A geladeira está ali, tem coca cola, o vendedor está ao lado, MAS NÃO PODE VENDER, porque faltam 5 minutos para encerrar “o horário de almoço”.
Pode acreditar, não é brincadeira. É o legado dos portugueses: a estupidez.


CENA 06:
Dar-es-Salaam, Capital da vizinha Tanzânia. Vou a Embaixada de Moçambique apanhar meu passaporte que deixei para obtenção de um visto.
A funcionária atende-me preguiçosamente e diz que o Passaporte está pronto, mas o Chefe está no horário do almoço. Vejo um cidadão sentado por trás da janela envidraçada.
Quando chegamos às 14 horas, ela apanha os Passaportes, meu e de dezenas de outras pessoas, e entrega-os, com clara má-vontade.
Vejam bem, os documentos estavam prontos, embaixo do balcão da Embaixada. Ela não podia entregar antes das 14 horas, porque estava no horário do almoço do Chefe.
Autoridade Moçambicana. Marechal Doutor Chefe da Portaria da Embaixada.
Ridículo.
CENA 7:

Em Nampula, estou passando com um Land Cruiser, um carro grande, pesado, na frente do Hotel Girassol. Trânsito lento, difícil. Carros estacionados nos dois lados da rua. De repente, saindo do nada uma senhora literalmente “atropela” a porta do meu carro. Paro e vou tentar socorrer a senhora: “Estou bem, Estou bem, Desculpa, desculpa” são as palavras dela.
Surge então uma “autoridade”, o Policial de Trânsito que, sem perguntar nada, me diz autoritariamente (afinal é uma autoridade): “Carta de Condução e Livrete”.
Após examinar minha Carta Internacional emitida no Brasil e o livrete do carro por alguns minutos, diz: “Multa de 1 milhão por dirigir am alta velocidade --- se não tem dinheiro, a Carta de Condução fica presa”.
Argumento que estava a 20 km por hora. Naquele local é impossível alguém estar a mais de 20 km por hora e, afinal, foi a senhora que “atropelou meu carro”, pois chocou-se contra a porta.
Ele disse: “derrubou a senhora, é atropelo e atropelo é alta velocidade”.
Falei ironicamente (graças a Deus ele não entendeu a ironia) que meu carro movimenta-se para frente ou para trás, jamais para os lados... como poderia ter atropelado uma senhora com a porta?
Mas ele, irredutível, só acalmou-se quando a “vítima” intercedeu a meu favor e disse que estava distraída e bateu-se na porta do carro.
Eles são assim. No manual deve estar escrito: “só se atropela em alta velocidade”.
Não há como reprogramá-los. É assim em Portugal também.

2 comentários:

  1. Geraldo:
    Dei-me uma missão e devo confessar, tem sido simplesmente maravilhoso cumpri-la. A missão foi: descobrir o paradeiro de meus colegas da Escola de Agronomia. Algo me dizia que eu precisava fazer isso. E agora, 4 meses de buscas depois, rever colegas ou ter noticias deles está me enchendo a alma de alegria e orgulho. Evidentemente há também momentos de tristeza pela perda de alguns colegas/amigos (e já foram 6)nestes 30 e tantos anos. No entanto ver em que se transformaram meus colegas de alojamento, corredores e salas de Cruz das Almas tem me confortado tanto que se soubesse teria me lançado nesta missão muito antes.
    Pois é Geraldo, em busca de você, que ninguém sabe dizer ao certo como encontrar, em busca de notícias suas, deparei-me com este blog com suas crônicas. Excelente ! Li tudo “de um tapa” como se diz por aqui em nossa terra. Muito bom, parabéns. Vou divulgar a todos.
    Resta-me convidá-lo a juntar- se a seus colegas pois o reencontro tem propiciado bons e saborosos frutos. Precisamos dar ciência a todos de sua veia literária, de suas viagens, de sua vida. Divida um pouco conosco.
    Faça contato por mail: easmagalhaes@gmail.com
    Abraços, seu colega, Eduardo Magalhães

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  2. Grande mestre, esses fatos de sua viagem a “ex-colônia portuguesa” é hilariante.

    Caso um dia o senhor queria buscar um Hobbies diferente, eu recomendo que você tente ser diretor e traga ao grande público brasileiro as façanhas dos portugueses em ser português.

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